Sim, em 03 de julho de 2010 eu descobri o Brasil, o Brasil real, ou melhor, os verdadeiros brasileiros, verídicos filhos da terra. Sabem que sendo pertencentes à mãe terra, não são donos e ninguém será. Os Juruás homens brancos em Mbya Guarani (foto) acham que são donos desta terra porque seus antepassados vieram para cá a pouco mais de quinhentos anos em busca de riquezas minerais, biológicas e mão de obra barata ou escrava.
Depois de uma década de espera por diversos motivos, sendo um deles, o não saber da localização exata da aldeia, os Juruás, depois de um contato com a EMATER e posteriormente, uma espera de quatro anos por um convite para irem juntos até a aldeia, ato que nunca foi realizado, resolvi procurar uma forma alternativa de contato com os indígenas.
Em algumas das vezes que os encontrei na cidade vendendo artesanato, conversei muito com eles. Em uma dessas vezes, há quatro anos, um dos indígenas me falou que o cacique estava na cidade também. Um episódio marcante aconteceu quando eu estava em frente a um mercado e ouvi alguém me chamando com um sotaque estranho, ao virar-me percebo um índio sorridente quase correndo vindo ao meu encontro, e para maior espanto era o Cacique Lourenço Verá.
Após nos apresentarmos falei de meu interesse em estudar seu povo, depois de mais dois ou três anos e alguns encontros com o Cacique, no centro da cidade, vendendo seus artesanatos, sempre falava da visita com o intuito de pesquisar sobre esta tribo.
Por esses dias, numa conversa com uma amiga chamada Scheila Meira, acadêmica de Filosofia na UFPEL, ela me falou do interesse de fazer um trabalho etnográfico. Falei que tinha o nº do telefone celular do Cacique, e que o conhecia pessoalmente.
Destacando o fato de o cacique dos Juruás possuir um celular é realmente uma boa questão para debate, pois eu, por exemplo, me perguntei: como ele poderá comunicar-se com outras aldeias? Com sinais de fumaça em pleno século XXI? É claro que eles devem manter sua cultura, mas nem por isso devem viver isolados e vivendo como há quinhentos anos. Imaginemos a possibilidade deles se cobrirem com penas neste intenso frio que acontece em Caçapava. Não seria nada agradável.
Bem, combinamos (eu e Scheila) uma visita a aldeia Mbya Guarani na BR 290. Depois de planejar com o pessoal da EMATER e com o cacique, que aceitou com muita espontaneidade, ficou combinada a data. Saímos de Caçapava do Sul em um sábado pela manhã (aprox. 8hs) e chegamos por volta das 09hs na aldeia, onde fomos recebidos pelo Cacique Lourenço Verá. Apresentei Scheila e o seu pai Sr. Delmar Meira, que foi quem nos levou até lá de carro. O Cacique nos conduziu até o centro da aldeia, nos trouxe um banco de madeira e uma cadeira para ele, a qual ficava um nível acima de nós, levando a ideia de liderança, ou posição política.
Iniciamos nossa conversa com assuntos do cotidiano, variando entre território, parentesco, rituais com pajé, apoio assistencial pelos governantes, o que é precário, começando pelo absurdo de terem que se comprimirem num espaço mínimo entre o campo e a estrada, numa espera de décadas pela demarcação de suas terras, mas, em momento algum foi mencionado algum tipo de tensão a respeito desse processo que se arrasta. Eles esperam com uma paciência que a maioria dos Juruá, os brancos, já não tem mais. Em oito horas de observação deu para ter uma noção da complexidade desse povo tão “rico” em valores humanos. Sentíamos como que em outro país. Talvez eles pensassem: “Esse casal de Juruá parece que não sabem nada ainda, eles anotam tudo em seus caderninhos, fotografam e desenham. Será que estavam perdidos em sua selva de pedras?”
Nossa visita foi consagrada, digo isso, porque três dias antes de nossa visita nasceu um bebe guarani, o que é um sinal que “Nhãnderú” (Deus em Mbya guarani) abençoa a vida desse povo na terra e a benção é enorme, pois há mais de vinte crianças na aldeia, e o parto de todos, ou quase todos, foi feito pela anciã da tribo que é a mãe do Cacique Lourenço, uma senhora com quase oitenta anos de idade e em plena atividade.
As surpresas não acabavam, por volta do meio dia, percebia-se que algumas menininhas da tribo tinham colocado um vestido azul, especial, tirando a menina da foto ao lado que brincava em separado, é o que foi deduzido por nós (eu e Scheila) e realmente era. Eu e Scheila tivemos a honra de ser agraciados com uma apresentação musical envolvendo canto, dança, com o Cacique tocando violino, um de seus filhos tocando violão e as crianças tocando “maracá-i” e cantando belas canções Mbya Guarani. Foi emocionante!
Depois disso, o cacique nos presenteou com livros e um cd com músicas Mbya Guarani, gravados com os indígenas da Aldeia Cantagalo em Viamão, local de onde veio outro visitante que estava na aldeia, mas ao contrário de nós, não era Juruá e sim outro Mbya. O rapaz se chamava Vander em português e nos falou do trabalho que executava nas aldeias de todo Brasil. Atitude tomada depois que sua Avó, uma sabia anciã, que lhe pediu que visitasse todas as aldeias possíveis, para analisá-las e também, para conversar, sempre, com os Caciques, tentando resolver o máximo de problemas. Este pedido que sua avó fez, provavelmente aconteceu após alguma revelação espiritual em um sonho.
Por volta do meio-dia iniciou-se uma partida de futebol, com times mesclados entre meninos e meninas, entre dez e vinte anos, o jogo estendeu-se por mais de duas horas com apenas um pequeno intervalo para ingestão de água. Outra característica da tribo, o artesanato é a principal fonte de renda dos Mbya Guarani. Os balaios são feitos pelas mulheres e as esculturas de madeira são feitas pelos homens. Descobri que todo o processo de criação de uma peça é feito de forma ritualística durando vários dias até ser concluída. Talvez por essa razão, não presenciamos em nenhum momento eles confeccionando nenhuma peça. Apesar da precariedade material, desse povo, mostraram-se o tempo todo, serem pessoas felizes, já nós, os Juruás, estamos sempre correndo contra o tempo, tentando ter muito mais do que ser, e, nessa dependência do relógio, perdemos tempo, e, não como pensamos, que ganhamos o tempo. Os indígenas têm todo tempo que quiserem para fazerem o que desejarem, sempre pensando no bem do coletivo, não como nós, cada vez mais individualistas. Possivelmente essa sociedade de etnia Mbya Guarani, ignorada pela maioria, tenha muito mais a nos ensinar do que nós pensamos ter. Toda a sua harmonia com a natureza, sua espiritualidade e seus respeito aos ancestrais são valores que nós os Juruás perdemos.
Por Joselto Albarnaz
Pesquisador
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